Quando se trata de segurança alimentar, algumas questões extremamente relevantes se abrem principalmente em um contexto de pandemia com agravamento das desigualdades sociais.
A Tewá vem atuando nesse tema em toda a sua trajetória, produzindo estudos de tendências e apoiando no design de programas de suporte à agricultura agroecológica e ao empreendedorismo regenerativo bem como no planejamento de iniciativas com uso de múltiplas ferramentas.
Para aprofundamento nas discussões dessa temática, sintetizamos abaixo três eixos principais de problematização no que tange a insegurança alimentar:
1- Os impactos da pandemia da COVID-19 na segurança alimentar dos brasileiros
No último Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 realizado no ano de 2020, foi documentado que 55,2% dos domicílios conviviam com insegurança alimentar, um aumento comparativo de 54% em relação ao ano de 2018.
A pesquisa foi realizada pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) em 2.180 domicílios nas cinco regiões do país. A análise territorial é extremamente importante para um mapeamento fiel a realidade do país, principalmente o Brasil que tem em seus pólos os extremos econômicos e sociais.
Esse aumento no momento da pandemia pode ser diretamente relacionado à crescente de empregos informais, como ambulantes, que ao se depararem com o isolamento tiveram suas rendas familiares negativadas. De acordo com o Inquérito a IA grave aumentou 19% nos domicílios onde algum(a) morador(a) havia perdido o emprego ou houve endividamento, ambos em razão da pandemia.
O reflexo brasileiro em relação à insegurança alimentar, é analisado desde anos anteriores, projetos como o bolsa família e a aprovação de refeições completas nas escolas, são exemplos de políticas públicas criadas para a manutenção da segurança alimentar para a parcela vulnerável e sem alimentação. Com a paralisação escolar e o aumento dos preços, para que houvesse manutenção da segurança alimentar seria preciso a readequação das políticas de apoio à alimentação.
2- Regiões têm maior vulnerabilidade no que tange a segurança alimentar e quais aspectos territoriais agravam essa vulnerabilidade
O Brasil, como país com dimensões continentais, abriga em seu território um mosaico de realidades distintas, sendo também o 9º país mais desigual do mundo, com 1% da população detendo quase ⅓ da renda nacional (Agência Senado), o que se manifesta em diversas escalas territoriais e em função de fatores históricos, geográficos e socioeconômicos.
O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar apontou as regiões Norte e Nordeste como áreas de destaque, com os índices de insegurança alimentar significativamente mais altos do que o percentual nacional (60% no Norte, 70% no Nordeste e 55,2% no país). Essas regiões também se destacaram com a taxa de insegurança alimentar grave, que acomete 9% da população total do país, 18,1% da população do Norte e 13,8% do Nordeste. Os indicadores de segurança alimentar são acompanhados de outras vulnerabilidades, dentre elas, a falta de acesso regular à água, que atinge essas regiões com um percentual quase 3 vezes maior que as demais.
Os indicadores de raça, gênero e renda também são atravessados por estes fatores; de acordo com o IBGE (2020), dentre a população extremamente pobre do país, metade morava na região Nordeste, sendo a maioria mulheres pretas e pardas, chefes de família e com baixa escolaridade. Dessa forma, é perceptível a vulnerabilidade já existente nas mesmas regiões, acometidas também pela degradação ambiental em decorrência de atividades humanas, processos de desertificação e falta de presença e apoio de políticas públicas.
A segurança alimentar também é refletida em populações em situação de marginalização e vulnerabilidade, como a população rural de baixa renda, quilombola, indígena e ribeirinha, que apresentaram um índice de insegurança alimentar grave de 12%. O Inquérito também apontou para a sobreposição da insegurança alimentar e disponibilidade de água, uma vez que a falta de acesso adequado à água nas áreas rurais afeta profundamente a produção de alimentos, especialmente entre agricultores familiares.
A profunda desigualdade social presente no Brasil afeta o país em diversas escalas territoriais, sendo possível observar a diferença entre as grandes regiões nacionais ou mesmo dentro dos estados e cidades. A transversalidade da fome com outros indicadores de vulnerabilidade, como pobreza, acesso à água e escolaridade, bem como suas relações com recortes de gênero e raça, porém, são comuns ao redor de todo território brasileiro na atualidade.
3- Insegurança alimentar afeta o desenvolvimento econômico?
Como mencionado anteriormente, o crescimento da insegurança alimentar foi afetado de maneira direta pela pandemia da covid-19 e a desestabilização econômica. Ainda de acordo com o Inquérito Nacional, houve em dois anos um aumento acentuado na proporção da insegurança alimentar leve – de 20,7% para 34,7%, e cerca de metade dos entrevistados relatou redução da renda familiar durante a pandemia, provocando inclusive cortes nas despesas essenciais. Esses lares constituem o grupo com maior proporção de insegurança alimentar leve – por volta de 40%.
O estudo aponta a inserção de famílias que tinham renda estável, que provavelmente foram empurradas da segurança alimentar para a insegurança alimentar leve. O efeito indireto da pandemia da covid-19 na econômica acontece quando o poder de compra da parcela da população é reduzido.
Com a pandemia da covid-19 a insegurança alimentar saiu da linha da pobreza e entrou nas casas de classe média, intensificando o número de brasileiros que lidam hoje com questões de escolhas alimentícias, seja sobre troca de produtos ou ausência de outros. Um exemplo que podemos apresentar é o aumento do custo da carne, que antes fazia parte da grade alimentar de mais casas brasileiras.
A alimentação é um dos princípios básicos para o desenvolvimento, por isso, é impossível dissociar seu aumento com a instabilidade econômica. Com a pandemia da Covid-19, a aquisição de itens de necessidade básica, como o gás de cozinha, se tornou um problema para as famílias em situação de pobreza e a utilização de carnes na alimentação, um luxo para casas que antes, não sofriam com sua escassez.
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